Uma mulher branca com cabelo castanho, óculos e camisa branca, sentada num estúdio de gravação.
Eu quando estava no quinto ano eu fui obrigada a afastar-me de todos os meus amigos e ir para uma escola, que estava adaptada, completamente diferente. Ou seja, para mim eu estar a conseguir estar num ambiente que eu tinha conseguido e que era como eu queria com as adaptações que eram necessárias, era ouro sobre azul e era uma vitória que naquela altura para mim me dizia imenso. Ou seja, eu estava motivadíssima. Por isso, para mim, estar num espaço, estar com os meus amigos que me ajudavam todos os dias. Que não era uma ajuda, era uma coisa perfeitamente normal. Eu estava dentro do meu ambiente, então não me fazia diferença nenhuma, está super à vontade.
Em Santarém à duas escolas secundárias, a escola Sá da Bandeira e a escola Ginestal Machado, e supostamente, tendo em conta as leis da altura, a escola que estaria preparada para me receber era a escola secundária Ginestal Machado para a qual eu não queria ir porque me ia afastar dos meus amigos. Então eu fiz todo um movimento para… escrevi cartas ao Ministério de Educação porque não achava justo ter de me separar dos meus amigos por causa de não ter adaptações na escola e afins. E havia na altura um processo de junção de agrupamentos que iria adaptar algumas escolas e afins e curiosamente a escola Sá da Bandeira, o Liceu, ficou adaptada e preparada para cegos exatamente no ano em que eu entrei. Eu nunca saberei se a minha pressão ajudou ou não, mas o facto é que não se previa que fosse naquela altura e foi. Ou seja, eu quase que experimentei um bocadinho o início dessa adaptação.
As adaptações que tinha no básico foi as que tinha no secundário: máquina de braille; tinha uma professora de educação especial que sabia ler braille e que traduzia os testes que eu escrevia em braille para os professores lerem; um computador com leitor de ecrã e era basicamente isso.
Eu tinha aulas de complemento que eram mais para… por exemplo, se eu demora-se mais tempo a fazer um teste, a aula de 90 minutos não chegava então, sei lá, por exemplo todas as semanas à quarta-feira tinha 45 minutos que serviam para este tipo de coisas, ou para terminar os testes ou por exemplo para, aí está, aprender técnicas de bengala que os professores não sabiam dar nem fazia parte do currículo, pronto, para me preparar, aí está, para me preparar para a faculdade ou para a minha vida autónoma, para aprender a mexer no computador com leitor de ecrã. Esse tipo de coisas que eram coisas mais para a vida cega, digamos assim, e que a escola também acabou por me oferecer nessas horas complementares
As aulas eram dadas de forma normal. Tirava os meus apontamentos como qualquer pessoa e, aí está, quando era aulas em que havia coisas mais visuais ou afins, eu tinha a minha professora de educação especial que sabia ler Braille e estava preparada para explicar certas coisas, ia às aulas e explicava-me. Até para os professores era mais fácil, porque tinham uma segurança de ter ali uma professora que estava especializada e se eles não soubessem explicar alguma coisa, ela estava lá para explicar. Mas foi algo que foi saindo com o tempo. Sei lá, se calhar do décimo ano ela assistia a 3 aulas por semana, no décimo primeiro assistia a 2, no décimo segundo já não ia a nenhuma.
Eu acho que nós somos seres individuais e eu acho que há muito aquela questão, mesmo pela sociedade, de: ah vocês fazem assim ou ah eu tive um aluno cego que fazia isto e isto e isto, se calhar para mim isso não me faz sentido nenhum.
Por exemplo, cada um de vocês tirou apontamentos de maneira diferente na faculdade ou se calhar uns tiraram outros não tiraram apontamentos nenhuns, uns fizeram de uma maneira outros fizeram de outra, também as pessoas com deficiência são pessoas individuais e têm a sua forma de fazer as coisas.
Eu percebo que haja uma vontade de generalizar, porque é algo estranho é algo diferente e é normal que o medo que as pessoas têm de fazer, que as pessoas têm de não fazer bem, é muito mais fácil: epá, esta fórmula funcionou com a Marta, então agora chega a Ana então de certeza que irá funcionar com a Ana, e às vezes não é assim.
O professor vai ficar desesperado porque: ó meu deus, mas resultou tão bem com ela e agora não está a resultar e porquê? E porquê? E porquê? Não. Assim como cada aluno é diferente, cada pessoa com deficiência também é e não há fórmulas mágicas, a verdade é essa. Não há. Cada pessoa é como cada qual e tem as suas formas.