Uma mulher branca, com cabelo castanho, óculos e camisa branca, sentada num estúdio de gravação.
Lisboa para mim é sinonimo de liberdade. Muito por isto porque, eu sou de Alcobertas que é uma vila no distrito de Santarém, e eu já mais tenho a quantidade de transportes que tenho aqui. Eu em Lisboa nem sequer penso tipo: não vou porque não consigo chegar até lá. Isso nem sequer se coloca em questão. Nas Alcobertas ou numa vila pequena ou assim, tenho de estar sempre dependente de alguém que tenha carro ou de alguém que… de um autocarro que sai às 8 da manhã para Rio Maior e que volta só o outro autocarro ao meio-dia e depois outro às 8 da noite. É completamente diferente. Já para não falar na mentalidade das pessoas que pronto, não estão habituadas.
Quando eu vim para Lisboa eu tive particamente que ter aulas de mobilidade, ou seja, eu tive que praticamente aprender a usar a bengala desde o início porque eu não estava habituada. Eu estava tão habituada a andar com pessoas que eu raramente tirava a bengala da mala. Às vezes até me esquecia que tinha a bengala na mala.
Hoje em dia, quando eu cheguei cá a Lisboa ainda não havia, mas hoje em dia já há GPS’s adaptados para cegos. Não são perfeitos, mas já me ajudam se eu tiver de fazer os 10 minutos a pé, posso não ficar exatamente naquele sítio, mas estou muito perto e qualquer coisa também pergunto a alguém. Ou então também há sempre o Uber, que posso mandar vir um Uber de qualquer sítio.
Eu nasci numa altura de transição, por exemplo, eu tive o meu primeiro Android adaptado no décimo ano. Eu sinto que eu descobri o mundo digital. Eu antes tinha o Facebook e tinha essas coisas todas, mas eu raramente lá ia. Eu vivo numa época neste momento em que há toda uma consciencialização para a acessibilidade e temos de ser inclusivos.
Como eu era uma criança invisual, eu não sei propriamente como isto se deu, mas acho que a partir do momento em que eu entrei no jardim de infância houve a preocupação de vamos dar-lhe o contacto com o braille. Disseram-me: é para ti, podes levar para casa. E eu fiquei… lembro-me que fiquei muito entusiasmada e lembro-me que essa foi a forma como tive a máquina em minha casa. E depois quando fui para a escola, a escola já tinha essas coisas. Já tinha calculadoras que falavam, já tinha máquinas de braille. Depois, conforme eu fui crescendo, fui também tendo contacto com lojas especificas que vendem materiais para cegos. E foi aí que eu depois fui adquirindo também os meus próprios materiais conforme fui precisando.
Aquilo que eu vou dizer é um bocadinho controverso, mas eu acho que está cada vez mais incrível, e é mesmo a palavra incrível, as adaptações estão cada vez melhores. É surpreendente. Eu cada vez que me lembro de testar computadores quando andava para aí no segundo/terceiro ano porque o leitor de ecrã do meu computador era péssimo, mal se percebia o que ele dizia e supostamente falava em português. E hoje em dia eu tenho um telemóvel que me descreve quando eu estou a tirar fotos.
Quando eu penso na evolução eu penso: “wow!” o que é que vai acontecer daqui a 10 anos? É extraordinário.
Ao mesmo tempo, eu acho que está a haver uma comunicação e uma necessidade de falar de inclusão tão grande que eu tenho medo que aconteça de irmos para a discriminação negativa. De termos vindo a discriminação negativa, que eu tive sorte de não ter sofrido, mas existem pessoas que sofrem de discriminação negativa, mesmo por parte do corpo docente porque simplesmente não tem conhecimentos e acha que os alunos não vão ser capazes e afins, para irmos para uma discriminação positiva. Acho que se fala tanto e quase que é tipo olhasse para uma pessoa com deficiência e às vezes já acontece, e eu acho que cada vez acontece mais com tudo o que se faz é: wow, fantástico! Quando não, eu estou só a fazer a minha vida cega como vocês fazem a vossa vida a ver e acho que isso também pode ser… acho que o futuro… tenho medo que o futuro corra um bocadinho depressa demais e corra um bocadinho para esta discriminação positiva e não para uma normalização. Tenho medo que vá de um extremo ao outro.